Jornal TRIBUNA IMPRESSA - 08/12/2013 - page 18

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Tô Ligado
Araraquara, 8 de dezembro de 2013
Tribuna Impressa
Carta a um amigo
que realizou o sonho
Caro Antônio Torres. Você não
imagina o que vi há poucos dias
na periferia de São Paulo, em São
Miguel Paulista. Ali há uma gran-
de praça chamada Morumbizinho.
Cheia de árvores. Dessas árvores
pendiam cordões e, na extremidade
de cada um, um livro. E na extre-
midade de cada livro, uma pessoa.
Como se fosse um fio terra. As árvo-
res, símbolos da vida, mantinham os
livros, igualmente símbolos de vida
à sua maneira. Intrigou-me a cena.
Inácio Neto, um dos coordenadores
da Semana Literária de São Miguel,
explicou: pela manhã, em um ritual,
os livros são pendurados nas árvo-
res. Cedo, as pessoas se juntam à es-
pera, correm e tomam “posse” de seu
livro. Às vezes, ficam ali por horas,
com breves momentos de repouso,
vigilantes. A certa altura, vem a li-
beração, cada qual puxa seu livro e
parte, amanhã haverá outro ritual. E
depois, e depois.
Numa semana em que tivemos
imagens repulsivas, aterradoras, me-
lancólicas, como a da criança catan-
do latinhas num lixão fedorento ou
a reportagem de total perplexidade
sobre o “rei do camarote”, a cena das
pessoas agarradas aos livros que des-
ciam das árvores me emocionou.
Há um Brasil diferente. Há um
país desconhecido e há pessoas tra-
balhando para mudá-lo, caríssimo
Torres. Esse Brasil você conheceu
em centenas de viagens. Pena que a
mídia ignore a existência da Sema-
na Literária de São Miguel Paulista.
Numa região de 400 mil habitan-
tes, acontecem centenas de encon-
tros, palestras, oficinas, exposições,
teatro, canto. São Miguel é o lado
oculto da periferia, ansiosa, criati-
va, querendo e oferecendo coisas. A
gerir isso uma organização como a
Fundação Tide Setúbal. Esta imagem
do ritual da colheita dos livros é que
deveria ser expandida pela rede so-
cial, para as primeiras páginas dos
jornais: os livros tirados das árvores.
Você, Torres, eleito para a Acade-
mia Brasileira de Letras com votação
quase unânime, ficaria feliz ao ver o
que vi. Aos 73 anos e com 18 livros
publicados, você, nascido no Junco,
Bahia, chegou lá.
O Junco mudou de nome, agora é
Sátiro Dias. A Academia era um so-
nho e você conseguiu. Perdeu duas
vezes, foi paciente. Perder faz parte
do jogo, de todos os jogos. Agora
está lá, ao lado de Lygia Fagundes
Telles, Nélida Piñon, João Ubaldo
Ribeiro, com quem viajou muito por
esse Brasil, de bibocas remotas às
capitais. Pena, Moacyr Scliar se foi,
era de nossa geração. Estivesse vivo,
João Antonio estaria feliz, ainda que,
na sua encarnação limabarretiana,
virasse a cara.
Falei em João Antonio porque
ele, você e eu sempre fomos unidos,
fizemos infindáveis viagens por este
Brasil. Os três vindos de famílias hu-
mildes. Gostaria de ver João se meter
em um
smoking
para ir à sua posse,
o que é de praxe. Ou ele chegaria de
chinelão à Academia e seria impedi-
do de entrar? Fiquei feliz por você,
companheiro do jornal Ultima Hora
nos anos 60. Quantos daquela época
estão vivos para comemorar?
Garotões, escondíamos nossas
ambições, desejos secretos, tínha-
mos medo de ser ridicularizados.
Por inibição, medo de sermos goza-
dos, ficávamos em silêncio. Você foi
para a publicidade, mudou-se para
o Rio. Anos mais tarde, em 1972,
espantei-me, quando nos encontra-
mos no Center Três, em São Paulo, e
você me mostrou um livro, “Um Cão
Uivando Para a Lua”. Não vi o autor,
perguntei:
— É bom? Acabou de comprar?
— Não, acabei de escrever e pu-
blicar.
Surpresa, então você tinha se ca-
lado todos aqueles anos. Logo de-
pois, nos juntaríamos a João Anto-
nio, formando o trio que percorreu o
país após a polêmica Semana Contra
a Censura, realizada no Teatro Casa
Grande, no Rio de Janeiro, em 1975.
Numa dessas viagens, passamos por
Araraquara e meu pai te elegeu ami-
go. “Um grande escritor”, dizia o ve-
lho Brandão. “Tem cheiro de terra”.
Ele prenunciava o “Essa Terra”, enor-
me sucesso? Comovido, meu pai
ouviu a história de como você, dos
raros alfabetizados do Junco, escre-
via cartas para os que não sabiam ler
nem escrever. E como lia as respos-
tas que chegavam. “Assim ele apren-
deu, assim se aprende.” Meu pai,
estivesse vivo, teria me ligado para
comemorar a sua eleição. Você, meu
amigo, tinha muita ternura por ele,
assim como teve para com o próprio
pai, retratado em um livro, “Adeus,
Velho”.
Publicado em dezenas de países,
agora você é acadêmico. Na cadei-
ra de Machado de Assis e de Jorge
Amado. E o que me vem neste mo-
mento é uma fala sua no encontro do
Paiol Literário de Curitiba, promovi-
do pelo jornal
Rascunho
: “Por que é
que a gente escreve? Deve haver uma
falha dentro de nós. Por que o ho-
mem cria? Primeiro, porque ele não
é capaz de carregar um ser humano
dentro dele. De gerar um ser huma-
no dentro dele. As mulheres não,
elas não deixam de criar por causa
disso, mas acho que, no homem, há
esse componente, essa diferença,
essa falta. Ele não gera uma criação
dentro dele, então cria outras coisas.
Tem um buraco dentro dele que é
preciso preencher.
“Tem que criar, inventar coisas
e se entreter com isso. E, de outra
parte, você vê o seguinte: a literatu-
ra serve muito, muito mesmo, para
a gente se centrar. Enquanto você a
está fazendo, está filtrando, sendo a
esponja de uma atmosfera que não
é necessariamente saudável. E aí é
que entra o escritor como alguém
incomodado, alguém desconfortável
dentro do seu tempo. Todo escritor
mostrou o desconforto que sente
durante seu tempo. Vá ver Proust e
Dostoiévski, e tantos outros. Há um
desconforto ali, terrível. Diante da
sociedade, diante de tudo.”
IGNÁCIO
DE
LOYOLA
BRANDÃO
Ignácio de Loyola Brandão escreve todo domingo
MENU CULTURAL
Ficção e
realidade
DA REPORTAGEM
Uma embarcação ro-
mana naufraga no século
4
o
. Durante a Primeira
O que
é justiça?
MATHEUS VIEIRA
Corrupção, abuso de
poder e mentiras constroem
esta trama cruel, baseada
em fatos reais. O ritmo do
Múltiplo
Page
MATHEUS VIEIRA
Um dos mais in-
fluentes guitarristas do
mundo, Jimmy Page, do
Guerra Mundial, um navio
inglês é destruído por uma
bomba. Atualmente, no
Oriente Médio, ícones da
fé islâmica são bombar-
deados. E um misterioso
pergaminho relacionado
à vida particular de Jesus
pode limitar o poder
da Igreja Católica. Uma
aventura que mistura
ficção e realidade em uma
criação cheia de surpresas
e mistério.
Led Zeppelin, tem um
trabalho artístico que
vai muito além do rock.
E neste “Playin’ Up a
Storm”, um de seus lan-
çamentos como solista,
ele mostra todo o seu
recorte jazz, soul e até
world music. Ao seu lado,
ele tem outro grande
instrumentista: Albert
Lee. O resultado de tudo
isso? Muito feeling e
criatividade.
MÚSICA
CINEMA
DIVULGAÇÃO
FOTOS DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO
LIVROS
filme é um pouco lento, com
poucos diálogos, porém seu
desfecho é assombroso. No
francês “Présumé Coupable”,
a luta de um homem para
provar sua inocência.
Lançamento
‘Presumé Coupable’
Vincent Garenq - 2011
Jimmy Page
Playing Up a Storm - 2011
A Conspiração
Editora Novo Conceito
Clive Cussler
300 páginas
1...,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17 19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,...48
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